Terça-Feira, 17 de Março

Não é por ter decido relatar esta semana em termos de indisciplina que estou mais atento para ela, ou que guardo alguma expectativa. Sobretudo por causa disso até gostava de ser agradavelmente surpreendido com um dia sem problemas de maior. Infelizmente ainda não foi hoje...

8.15 horas - Quando passo o portão, os quatro alunos da ocorrência ("ocorrência", até já usamos linguagem policial) de ontem 14.55 horas lançam um grito:

- Ó setôr, quando é que dá as cadernetas que ontem roubou à gente?

Hesito. O que fazer? Os pais olham, com ar crítico, e imagino-lhes a conversa, "Ao que isto chegou... "Eles" não se dão ao respeito e depois admiram-se...". O costume.
No caso de eu ir pedir satisfações aos meninos, estes rir-se-iam na minha cara.
No caso de eu apresentar a queixa, na Gestão achar-me-iam "picuinhas".
No caso de eu espetar duas lambadas nos meninos, era uma chatice das antigas...

10.20 horas - O Carnaval foi há umas semanas. Um aluno apareceu-me completamente encharcado. Não foi um balão de água. Foi um saco de água. "Brincadeiras"...

12.15 horas - Uma pedra do exterior atingiu um aluno na cabeça. Ninguém viu...

13.50 horas - No intervalo, o tal aluno de nome Raimundo, da turma especial, andava a apalpar e beijar as funcionárias todas. Vi de longe e fui pela escada, dei a volta pelo 1º andar, para não ser obrigado a passar calado, ou, em alternativa, apresentar mais uma participação e esta ser desmentida pelas funcionárias, que têm medo dos alunos - e é caso para isso.

14.30 horas
- O barulho é insuportável. Saio da sala para ver o que se passa. Uma festa de boas-vindas a um aluno que esteve gravemente doente, descambou num caos. É uma turma do 5ºano. À janela, um dos alunos grita obscenidades a quem passa, enquanto a professora tenta desesperadamente pôr ordem na turma, que perdeu o controlo. O aluno que está à janela é um dos que ontem invadiu a casa de banho das raparigas. Os pais, quando (raramente) resolvem aparecer na escola para tomar conhecimento do comportamento dele, dizem para a Directora de Turma:

- Só se a gente matar o rapazeco...

É gente que vive do tráfico de drogas.

Às 16.30 horas acabei as aulas do dia. O saldo não foi mau, em termos relativos. Agora estou a escrever estas breves linhas no intervalo de trabalho administrativo. Estou a tirar faltas e a lançá-las no sistema informático, e a redigir cartas para os Encarregados de Educação para enviar em correio registado. Hoje almocei, dei seis blocos de aulas e tenho agora duas horas de trabalho em que ninguém me aborrece, como em qualquer profissão. É pena que seja trabalho burocrático, repetitivo, redundante e sem interesse para mim. Eu escolhi ser professor. Não o tenho conseguido ultimamente.

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