Sexta-Feira, 20 de Março de 2009

Chega hoje ao fim a minha experiência. Quase aconteceu o que eu tanto queria: um dia sem complicações. Os blocos de aulas da manhã foram muito bons. Os alunos estavam calmos, concentrados e amáveis. Seria perfeito se não fosse já a transição para a famosa "semana do enjoo"...

Hoje os alunos habitualmente invisíveis no mar de indisciplina, encontraram terreno fértil para germinarem um bocadinho, e ouviram-se observações interessantes, raciocínios inteligentes, discursos articulados. São estes os maiores oprimidos das escolas. Não têm um sindicato nem uma Ordem, não têm à vontade para reclamar de que não os deixam ter aulas em condições. Ocultam como podem a frustração, e, quando não podem mais, começam a ter fobia em relação à escola.

Como o dia estava a correr bem, e, como tal, não tive papelinhos de ocorrências disciplinares para redigir, aventurei-me a ir almoçar na cantina. Habitualmente não vou, pois não tenho estômago para assistir calado às agressões físicas e verbais que os alunos CEF e afins fazem aos outros alunos e às funcionárias.

Hoje só tive que repreender um aluno que pegava na funcionária e a abanava, gritando que não comia sopa, nem fruta, nem salada. As funcionárias têm ordens para sugerir o consumo desses alimentos... Esta funcionária, como é habitual, sentiu-se envergonhada com a minha intervenção e declarou que "era a brincar".

Na cantina, nada de especial, para além das gritarias, correrias, comida entornada, um ou outro aluno a tentar entrar ou sair pela janela, palavrões, bonés na cabeça, e água bebida directamente dos jarros de onde todos se servem.

Evita-se olhar, finge-se que não se vê, porque toda a gente vê e sabe, e não queremos ser os únicos a representar o papel de "maus da fita".

Tudo estava a correr razoavelmente para os tempos que correm. Até que chega a aula com a minha Direcção de Turma, e acontece o que já previa: com o aproximar do final do período e o início do calor, as agressões entre alunos multiplicam-se. "Entre alunos" é forma de dizer... Será mais correcto dizer dos rufias sobre os alunos normais.

Balanço do dia:

- 8 alunos apedrejados por três repetentes costumeiros na violência e desacatos.

- 1 aluno agredido a pontapé por um matulão bem mais velho.

- 2 alunas agredidas com pontapés desferidos à queima-roupa com uma bola de futebol para a cara.

Hora e meia de recados em cadernetas, registos de ocorrência, identificação de agressores, redacção de relatórios, fotocópias, arquivo dos documentos produzidos, comunicação verbal aos Directores de Turma.

Em termos de tempo gasto com indisciplina e violência foi um dia bom. para os alunos que levaram pedradas, pontapés e boladas, foi um dia como os outros, com nódoas negras, lágrimas, raiva contida, roupa enlameada, frustração e indignidade.

Post-Sriptum: da vasta selecção de casos de violência escolar que a Imprensa todos os dias divulga, destaque hoje para os carros de professores incendiados em Mindelo.
Da notícia do Público destaco esta frase: "O docente não tem ideia de quem lhe possa ter incendiado o carro, mas assume ter alunos problemáticos e já ter sido vítima de ameaças físicas".

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