Quinta-Feira, 19 de Março de 2009

Aproxima-se o final da minha experiência. Relatar os highlights de uma semana de indisciplina. Posso a qualquer momento encerrar o blogue e não me ralar mais com isto, mas quero levar até ao fim. E só falta um dia. Mas que custa, custa!

Hoje não vou reatar por horas. para variar vou relatar em episódios, na sequência em que aconteceram:

Primeiro bloco da manhã:

O "Capõ"

- O pai amandou as milenas par' cima do capõ do carro... - dizia um aluno, numa das habituais conversas derivantes que podem aparecer a propósito de qualquer coisa.


Um exemplo:
Uma pessoa diz: "os romanos construíram aquedutos, estradas e pontes".
Um aluno pega numa palavra relacionada com a frase ou o tema e começa a divagar, dicamos, assim: "o pai aquando vai pa Ponte de Lima vai sempre ábrasar, cá radares da polícia pa ninguém...". Etc..

Estupidamente, pois ainda sou uma besta ingénua que não entendeu que actualmente os professores não servem para dar aulas, mas para fazerem de figurantes num improviso diário dos Morangos com Açúcar, caio na asneira tremenda de corrigir o menino!
ERRO!!! Não tardam as acusações de que estou a embirrar com ele. Sim, actualmente, corrigir ou fazer questão de ensinar, é embirrar com os alunos.

Às nove horas da manhã isto tem um efeito aproximado ao do ferro do picador sobre o touro que entra na arena, numa praça em Espanha. Uns minutos a ser picado e o animal fica quebrado, atrofiado, submisso, confuso, desalentado, perdido...

Eu sou o touro.

Final do segundo bloco da manhã


O Cilindro

Tendo pedido já há alguns dias que a funcionária dos balneários me chamasse quando os alunos e alunas da minha Direcção de Turma se comportassem mal outra vez a seguir à Educação Física, a funcionária assim fez. Recebo a chamada interna e vou a correr aos balneários.

-Meninos, já aí estão há meia hora! Depois não há água quente para os outros...

- Vá pó caralho, sua vaca de merda, sua velha!!!... (etc., etc., etc.).

Com as meninas foi igual. Ou pior.

Mais uns quilos de papelada: relatórios disciplinares e cartas registadas para todos os pais. Para quê? Para nada, obviamente...

Última aula da manhã

A Roda dos Alimentos

Besta quadrada incorrigível, ainda acredito, após 25 anos de serviço e no panorama do mundo de hoje, que é possível, no 8º ano, ensinar aos alunos os malefícios das bebidas alcoólicas, do tabaco, da comida desregrada.

Meio a dormir após a Educação Física, apáticos, sem o mínimo interesse. Nem uma pergunta, nem uma colaboração nas actividades que planeei e não pude realizar porque simplesmente se deixaram ficar, quietos e apáticos. Metade da turma não tomou pequeno-almoço. Desde o início do ano que repiso, junto deles e dos pais, que é necessário tomar pequeno-almoço. Olham para mim como se eu fosse um louco.

E quando se tem Educação Física, é supimpa!

A seguir, fui almoçar. Da cantina via boa parte da turma, do lado de fora da escola, sentados nos bancos a comerem batatas fritas e coca-cola. Fixe!

Primeiro bloco da tarde

A Meia-Dúzia

Durante esta aula saí 6 vezes 6!!! para PEDIR a um grupo de meninas que parassem de dar gritos e uivos nas imediações da minha sala de aulas, sob pena de eu não conseguir concentrar-me e os alunos não me ouvirem e eu a eles.

Não tendo aulas, as meninas não sabem fazer mais nada. "A escola é fixe, as aulas é que são uma seca" - uma máxima que se pode ouvir de norte a sul do país e ilhas adjacentes.

Prometo noutro post transcrever o relatório (mais um...) que tive que redigir após ter vindo 6 vezes 6 cá fora PEDIR silêncio. Silêncio é uma forma de dizer, pois na escola de hoje não há silêncio nem nos corredores nem nas salas.

É uma pressão inacreditável em que se trabalha, e só a compreende quem passa pela experiência.

Nas imediações da minha sala há cobertura de rede da Internet para os portáteis. As meninas ficam nos aifáives e berram que nem umas ovelhas desmamadas enquanto admiram os músculos dos rapazolas. "Apreendi" o portátil, com a promessa de o devolver no final da aula, mas quando cheguei à sala dos professores, a Directora de Turma das meninas já tinha um relatório oral dos factos.

Era mais ou menos assim:

Elas não fizeram nada! Os alunos nunca fazem nada - o famoso "I didn't Do It" do Bart Simpson - eu é que sou doido e lhes "roubei o portátil.

Imagino como estará o meu cérebro e o meu estômago. Imagino e tenho relatórios médicos. Apanhar disto, todos os dias, revolve as entranhas.

Fim do dia na escola

Internacional e Mais Além!

O "famoso" Raimundo, da turma especial do 6º ano, não só é um phone bully, um garoto mau que rouba telemóveis, como é um empresário de vistas largas. Resolveu expandir o negócio da seguinte maneira: põe outros alunos a roubarem telemóveis para ele, mas é um roubo condicional. Ele confisca-os e depois pede um resgate pelos aparelhos. Assim rouba várias vezes os mesmos alunos! Está certamente à frente dos alunos marginais de outros países!

O pai é alcoólico, a mãe é doente. Está a repetir o 6º ano pela enésima vez sem qualquer tipo de aproveitamento. Vem à escola para a família receber subsídio. Sugerir que seria boa ideia ele aprender uma profissão ou ir para uma instituição, um colégio interno, é considerado heresia!

O Raimundo gosta de vir à escola, gamar, apalpar as funcionárias e "gozar com os setores". Outro colega da mesma turma é mais pragmático. O "Dogas" vem apenas os dias necessários para receber o subsídio. Numa aula recente declarou que o edifício da escola era bom mas era para uma casa de putas. É o negócio da família dele.

Dei sete blocos de aulas. Todos os intervalos foram ocupados com relatórios disciplinares. Fiquei na escola a actualizar listas de faltas, a fazer cabeçalhos, folhas de presença e de acta, a fazer cartas para os Encarregados de Educação. Em casa, quase na clandestinidade, preparei as aulas de amanhã e actualizei a página do moodle. Os meus alunos que ainda se interessam é que me fazem andar.

Agora preparo-me para jantar e dou uma volta pelos blogues e outros sites. Fiquei a saber pelo blogue de Ramiro Marques
que ontem uma família cigana invadiu uma escola armada de paus e barras de ferro e agrediu quem se lhe atravessou à frente! A GNR declarou que vai estar mais atenta, etc., etc..
Vivemos na TOTAL impunidade! Dá ideia que há um complot para que cada vez mais professores, funcionários e alunos que efectivamente andam na escola, serem cada vez mais espancados! Mas sosseguemos! A juntar à notícia de mais uma saraivada de mediadores culturais, junta-se mais uma medida tipicamente socialista do tipo observatórios, comités, comissões, estudos, muito bla bla e tudo na gaveta: noticia o Público que a Tutela cria Gabinete Coordenador de Segurança Escolar .

Deve ser para contabilizar as ocorrências de violência e criminalidade, a julgar pelo quanto esses números tardam a sair...

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